Liliana Negrello, de Curitiba
Durante quatro meses e meio um grupo de pesquisadores mergulhou no universo do biodiesel e construiu o mais completo retrato do setor já feito no Brasil. E fez descobertas valiosas. Quem quiser manter-se competitivo deve verticalizar a produção do biocombustível e investir nas matérias- primas de maior viabilidade econômica – soja, algodão, sebo e girassol. Sobre a mamona, insistentemente valorizada pelo governo federal, confirmou-se o que o senso comum já havia mostrado: do ponto de vista dos estudiosos, já era.
A pesquisa foi encomendada pelo Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP) e a parte relacionada a Logística e Economia foi realizada pelo Centro de Estudos em Logística da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead – UFRJ). O estudo foi feito em três etapas. O primeiro momento foi dedicado ao mapeamento de todos os elos da cadeia de suprimentos do biodiesel (agricultura, frigoríficos, esmagadoras, refinadoras, matériaprima, usinas, insumos e bases distribuidoras). Paralelamente, houve um estudo tributário e um trabalho de benchmarking internacional em países como Alemanha, Itália, EUA e Argentina. A segunda fase da pesquisa se dispôs a calcular qual o custo do biodiesel por litro em real e se debruçou sobre as diferentes matérias-primas, regiões e cadeias de produção do país. Na última etapa foram apresentadas propostas de cunho mercadológico, social e tecnológico para gerar melhorias importantes no setor.
O resultado do trabalho você conhece nas próximas páginas. Em suas argumentações, Marcos Benzecry mostra a situação atual no país, os segredos de quem deu certo e alguns caminhos para solucionar os problemas que ainda assombram o setor.
Revista Biodieselbr - Qual foi o objetivo principal da pesquisa? Quais foram as principais conclusões?
Marcos Benzecry - O objetivo do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis) quando contratou o estudo foi buscar uma avaliação isenta para o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel. A intenção era fazer um panorama do setor no país. Uma das principais conclusões a que chegamos foi em relação à utiliza-ção de matérias-primas. Do ponto de vista logístico-mercadológico, vimos que existem quatro delas que realmente são competitivas – a soja, o algodão, o girassol e o sebo. A soja aparece como carro-chefe e as misturas entre as quatro matérias- primas como uma alternativa viável. Outra conclusão que julgo muito importante é em relação à verticalização da cadeia de produção. Isso significa que as usinas que possuem uma esmagadora de grãos ou até mesmo a produção agrícola são mais competitivas, produzindo biodiesel a um custo menor e ainda conseguem sair da dependência da compra do óleo vegetal. Enfim, nos parece que o setor de biodiesel vai estar nas mãos de quem tem matéria- prima competitiva e um modelo verticalizado.
Revista Biodieselbr - Como está a distribuição dessas quatro matérias-primas no país? Qual seria a solução ideal para a utilização delas?
Marcos Benzecry - O ideal seria cruzar as quatro culturas mais competitivas – aqui não estou considerando o pinhão-manso porque ainda não existem dados que permitam avaliação desta matéria-prima neste momento. Hoje, a soja está espalhada por todas as regiões do país. Já o girassol está concentrado no Sul e Centro-Oeste, e é uma cultura que pode e deve ser estimulada. O algodão é produzido especialmente no Centro-Oeste e no Nordeste. É competitivo, mas tem restrições, já que a matéria-prima é limitada pelo mercado de fibras. A produção de sebo bovino está, como grande parte dos frigoríficos, localizada no Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil – e aqui existe uma restrição: o biodiesel de sebo não deve ser usado em regiões muito frias, portanto, em algumas épocas do ano isso pode ser um problema. Acho que para resumir, por enquanto a mais viável é a soja e eventuais misturas entre as outras matérias-primas mencionadas.
Revista Biodieselbr - Hoje, cerca de 90% do óleo vegetal produzido no país vem da soja. E o senhor afirmou que de fato ela é uma das matérias-primas competitivas neste mercado. Mas quais são as desvantagens dessa dependência da soja?
Marcos Benzecry - A maior desvantagem da soja é que ela tem um teor de óleo baixo em relação a outras matériasprimas. Um outro problema é que o preço do óleo é determinado pelo mercado internacional (Bolsa de Chicago), ou seja, ele é muito vulnerável a oscilações. Porém, como mencionado, ainda assim a soja é uma das quatro matérias-primas que têm condições de fazer um biodiesel competitivo, principalmente por sua disponibilidade.
Revista Biodieselbr - O estudo deu grande destaque à importância do uso de sebo bovino para a produção de biodiesel. Ele pode vir a ser mais usado?
Marcos Benzecry - O governo está investindo em mamona e dendê, enquanto o biodiesel de sebo é mais barato e poderia atender as regiões onde hoje são feitos cultivos dessas oleaginosas de forma mais acessível, mais barata – só que, com a utilização do sebo, não há incentivo à agricultura familiar – e este é um dos pilares do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel.
Revista Biodieselbr - Por que o estudo não avaliou o óleo de cozinha usado?
Marcos Benzecry - Porque só analisamos os produtos que têm sido utilizados com volume considerável no país. Entendemos que não existe nenhuma experiência com essa matériaprima trabalhando em grande escala e para atender o B2 no Brasil.
Revista Biodieselbr - O Brasil hoje enfatiza o uso de agricultura familiar na produção de matérias-primas para o biodiesel. É necessário fazer mudanças nessa área?
Marcos Benzecry - Hoje, apesar de ser um dos pilares do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel, a agricultura familiar no cultivo de matérias-primas não é economicamente atrativa. Por isso, os produtores usam o mínimo necessário para garantir o Selo Combustível Social. É preciso fazê-la mais atrativa. As formas de o Governo torná-la mais interessante aos produtores seriam: incentivar qualquer tipo de cultura, rever o percentual de obrigatoriedade de contratações para obter o Selo Combustível Social e rever o valor do incentivo. Este valor hoje não cobre os custos que o produtor tem para dar assistência ao agricultor familiar.
Revista Biodieselbr - A esperança de que o governo incentive vários tipos de cultura tem a ver com a mamona ter se mostrado pouco competitiva?
Marcos Benzecry - Sim, o governo hoje sabe que o biodiesel de mamona é muito caro mesmo com incentivos e está estudando como alterar as tributações para incentivar outros tipos de cultura.
Revista Biodieselbr - O senhor mencionou a necessidade de uma revisão nos percentuais de uso de agricultura familiar exigidos para se ter o Selo Combustível Social. Eles hoje são muito elevados? Qual seria o percentual ideal?
Marcos Benzecry - Não temos um cálculo do percentual ideal. Porém, existe uma percepção generalizada de que os números estariam muito altos em algumas regiões do país e isso acaba afugentando o interesse dos produtores. A sugestão para o governo é refazer os percentuais a partir do novo Censo Agropecuário, que deve ser divulgado pelo IBGE ainda este ano. Assim, alguns reajustes de percentual poderiamser feitos de acordo com a real oferta da agricultura familiar em cada região do país – hoje os números são baseados em um censo muito antigo (1995/96).
Revista Biodieselbr - Onde é melhor produzir biodiesel: perto da produção agrícola ou perto do consumo?
Marcos Benzecry - A localização da esmagadora de grãos é o mais importante nesta equação, porque o transporte dos grãos onera mais do que o do biodiesel. Para entender isso, basta pensar, por exemplo, que é preciso cerca de cinco toneladas de grãos de soja para produzir uma tonelada de biodiesel. É evidentemente mais barato transportar uma tonelada de combustível do que cinco toneladas de grãos. Sem contar que o biodiesel tem maior valor ag regado. Mas o melhor, volto a insistir, é ter um modelo verticalizado – com todas as etapas. A vantagem disso pode ser verificada nos leilões realizados em novembro de 2007, nos quais as empresas que arremataram a maior parte do volume foram as de produção verticalizada.
Revista Biodieselbr - Qual o estado/região que consegue produzir biodiesel mais barato? Por quê?
Marcos Benzecry - As regiões mais competitivas são Sul, Sudeste e Centro-Oeste. No Norte, o grande problema é a distância entre produtores e bases distribuidoras. No Nordeste, a produção agrícola é muito localizada no interior, por isso, a região também tem problemas com a distância em relação às bases distribuidoras.
Revista Biodieselbr - O biodiesel pesa mais que o diesel. Como transportar o biodiesel utilizando os mesmos caminhões sem onerar o preço? Já existem soluções para este problema?
Marcos Benzecry - Dependendo da matéria- prima do biodiesel, a densidade varia entre 0,87 kg/l (soja) e 0,92 kg/l (mamona). O diesel tem densidade de 0,85 kg/l. Então, é fato, quando se enche um tanque de biodiesel ele pesa mais. Como no Brasil existe a Lei da Balança, que determina pesos máximos das cargas que circulam nas rodovias, isso pode de fato onerar mais do que o inicialmente previsto. Dependendo do peso do caminhão e da densidade da matéria-prima do biodiesel, o transporte pode ficar acima do bruto total permitido. Existe uma tolerância de 5% nos postos de pesagem para evitar injustiças em caso de diferença de calibragem das balanças – mas não convém contar com isso. A Petrobras, a ANP e o Inmetro estão estudando uma forma de solucionar este problema. Mas, por ora, o que pode acontecer é de as distribuidoras terem que transportar menos quantidade de biodiesel pelo mesmo preço do frete.
Revista Biodieselbr - A rota metílica é hoje a mais usada na produção de biodiesel. O que está atrapalhando a utilização do etanol anidro de cana na produção de biodiesel?
Marcos Benzecry - Cerca de 50% da demanda nacional por metanol é importada (em grande parte do Chile) e o resto é produzido no Rio de Janeiro e em Camaçari. Já o etanol tem enormes usinas produtoras em São Paulo, Paraná e no Nordeste. À primeira vista, o mais rentável seria usar o etanol brasileiro nas usinas de biodiesel. Porém, na produção com etanol se consome cerca de 37% a mais de álcool do que com o metanol, além de apresentar algumas dificuldades adicionais no processo produtivo do biodiesel. Ou seja, quem opera com etanol gasta mais produto. Para ser competitivo em relação ao metanol, o etanol precisaria ser em média 25% mais barato. Porém, não há como garantir isso, já que o preço do produto oscila muito no mercado. A utilização do etanol só vale a pena hoje para uma usina que produza seu próprio etanol ao preço de custo.
Revista Biodieselbr - Na opinião do senhor, qual deveria ser o preço máximo do etanol para que as usinas passassem a utilizá-lo no lugar do metanol?
Marcos Benzecry - O preço máximo deveria ser de R$ 760 a tonelada ou R$ 0,60 o litro. Analisando o preço histórico deste ano, o litro do etanol anidro oscilou entre R$ 1,09 e R$ 0,66, principalmente em função da safra.
Revista Biodieselbr - E as cooperativas? Que lugar elas terão num panorama que exige a verticalização como garantia para um bom negócio?
Marcos Benzecry - De fato, o estudo mostrou que a cadeia verticalizada é muito importante para a sobrevivência do negócio. Porém, as cooperativas possuem em geral usinas pequenas e concluímos também que nestes casosa verticalização não é economicamente atrativa. Uma possibilidade seria o governo incentivar o financiamento para as cooperativas. Assim, existiria maior possibilidade de elas competirem com sucesso no mercado do biodiesel.
Revista Biodieselbr - De que forma é possível sobreviver com os atuais preços das matérias-primas?
Marcos Benzecry - Volto à importância de o produtor ter um esquema verticalizado – ter o controle de todos os processos da operação. Dessa forma, ele tem maior chance no mercado de biodiesel. Isso porque se o combustível não estiver dando lucro, ele pode “encerrar” a produção por um período e vender o óleo da oleaginosa ou o grão. O que for mais vantajoso e der maior margem (seja o grão, o óleo ou o biodiesel).
Revista Biodieselbr - Como o senhor analisa a exportação de biodiesel? Existe uma real possibilidade de exportação quando os custos de produção internos são superiores ao preço do biodiesel no mercado internacional?
Marcos Benzecry - Bem, a exportação só vai começar a existir de fato quando a demanda do mercado nacional estiver atendida. Aí, ela será um caminho natural. Existem, claro, algumas barreiras que precisam ser ultrapassadas. A principal delas é a diferença entre as especificações do Brasil, da União Européia e dos Estados Unidos (porém, neste ponto a ANP está revisando nossas especificações e elas devem ficar mais próximas das européias muito em breve). Por outro lado, para que as exportações sejam viáveis, o governo precisaria sem dúvida avaliar a possibilidade de fornecer incentivos aos empresários.
Revista Biodieselbr - Quais são hoje as principais dificuldades para que o Brasil exporte biodiesel? É preciso criar um Selo Exportação, já que as especificações brasileiras são diferentes das especificações européias e norte-americanas?
Marcos Benzecry - Na verdade, a idéia de um selo foi aventada no estudo. Porém, se a ANP conseguir que a nossa nova norma de qualidade fique próxima das especificações européias, aí o problema estaria solucionado. Porém, vale lembrar que qualquer usina pode atualmente produzir nas especificações européias e algumas que visam exportação já estão se preocupando com isso.